HISTÓRIA
Na sequência do fecho e extinção do Seminário da Patriarcal – encerrado por ordem legal de 2 de maio de 1822 e definitivamente extinto em 1833 –, é fundado em Lisboa, por Decreto de 5 de maio de 1835,1 o Conservatório de Música da Casa Pia, tendo como seu diretor o músico português João Domingos Bomtempo (1775 – †1842). Este Conservatório de Música, podendo ser entendido como um sucessor direto do extinto Seminário da Patriarcal, vai ser entretanto incorporado no Conservatório Geral da Arte Dramática, com o título de Colégio do Conservatório, na sequência da sua criação pelo Decreto de 15 de novembro de 1836.2 Este Decreto de 1836 prevê ainda, para além da criação da Inspeção-Geral dos Teatros e Espetáculos Nacionais – para a qual é nomeado Almeida Garrett (1799 – †1854) como Inspetor-Geral –, a criação de três escolas (uma de música, uma de declamação, e outra de dança e mímica), todas elas integrando o referido Conservatório.
Não é inteiramente claro que a escola de música, criada no âmbito do Conservatório Geral da Arte Dramática, e o Colégio do Conservatório, que resulta da transformação do Conservatório de Música da Casa Pia, constituam uma mesma realidade, uma vez que este Colégio visava uma formação em regime de internato, ao passo que a escola de música, que irá entretanto surgir, visava antes uma formação em regime de externato, tendo sido de facto este o regime em que a mesma terá sempre funcionado. Mas dadas as enormes dificuldades da fazenda pública durante o segundo quartel do século XIX – as quais chegam a ditar o atraso de mais de ano e meio no pagamento de algumas remunerações –, as funções acometidas a este Colégio do Conservatório acabarão por ser de facto absorvidas pela escola de música entretanto criada.
O Conservatório Geral da Arte Dramática – que se passará a denominar Conservatório Real de Lisboa com a aceitação, por parte do Rei Consorte D. Fernando, da sua presidência honorária em 1840 –, teve os seus primeiros tempos de existência algo conturbados, vindo mesmo a ser proposta a sua extinção, pelo então futuro Duque de Ávila, como parte de uma medida económica num contexto em que as finanças públicas passavam por uma situação de extrema gravidade. No entanto, tal acabará por não acontecer, apesar de Almeida Garrett vir a ser afastado, em 1841, dos lugares que exercia na Inspeção-Geral dos Teatros e Espetáculos Nacionais, no Conservatório Real de Lisboa, bem como do lugar de Cronista-Mor do Reino.
É durante a segunda metade do século XIX que o Conservatório Real de Lisboa irá crescer em dimensão e importância social, em grande parte devido ao aburguesamento que então ocorre na sociedade portuguesa.
As reformas que se lhe seguem, já durante a primeira metade do século XX, marcam dois importantes períodos da história contemporânea portuguesa, nomeadamente a chamada Primeira República (Decreto n.o 5.546, de 9 de maio de 19193) e a Ditadura Militar (Decreto n.o 18.881, de 25 de setembro de 19304), esta última antecessora do Estado Novo. No entanto, apesar de a reforma de 1919 ser vista por alguns como um momento a reter na história deste Conservatório – entretanto denominado Conservatório Nacional de Música e mais tarde somente Conservatório Nacional em virtude da fusão dos Conservatórios Nacionais de Teatro e Música determinada pelo Decreto n.o 18.461, de 14 de junho de 19305 –, a mesma nunca resultará numa alteração muito significativa da realidade efetivamente vivida, uma vez que muitas das disciplinas entretanto criadas pelo Decreto n.o 5.546, de 9 de maio de 1919, e extintas pelo Decreto n.o 18.881, de 25 de setembro de 1930, permanecerão, durante quase toda a sua existência, sem alunos. Esta é, a par das razões económicas evocadas, o que fundamentalmente estará por detrás dos cortes efetuados na estrutura curricular ministrada neste Conservatório aquando da reforma de 1930, elaborada por uma comissão de que faziam parte Júlio Dantas (1876 – †1962) e José Viana da Mota (1868 – †1948).
É com a nomeação de Ivo Cruz (1901 – †1985) como Diretor do Conservatório Nacional, em julho de 1938, que ressurgirá o discurso em torno de uma missão institucional de formação de músicos profissionais, bem como se assistirá a uma redução do número de alunos por turma de instrumento – as quais passarão a ter, a partir do ano letivo de 1939/1940, somente dois alunos6 –, configurando-se assim o rácio de um aluno por hora-aula que hoje conhecemos.7 E, apesar de as três propostas de reforma do Conservatório Nacional,8 apresentadas durante o período em que Ivo Cruz é seu Diretor (1938 – 1971), não terem chegado a ser aprovadas, não se pode dizer que este seja um período sem profundas mudanças no ensino ministrado nesta instituição. De facto, com a aprovação do Decreto-lei n.o 31.890, de 24 de fevereiro de 1942,9 vai-se passar a assistir à contratação, além quadro, de personalidades nacionais e estrangeiras de reconhecida competência para regerem não só disciplinas do respetivo plano de estudos, como para realizarem cursos especiais, através dos quais são introduzidas importantes inovações pedagógicas ao nível dos cursos ministrados na secção de música do Conservatório Nacional, quer com a introdução de instrumentos até aí não lecionados por não se encontrarem previstos na reforma de 1930, quer através da introdução de novas disciplinas, com nomes que se tornaram marcantes na realidade portuguesa de então, como foi o caso do professor Macário Santiago Kastner (1908 – †1992), nome incontornável para a formação de toda uma geração de músicos e musicólogos portugueses. Deste período datam numerosos alunos que vieram a afirmar-se no meio musical, também no plano internacional, com nomes como Maria João Pires, Jorge Peixinho, Joly Braga Santos, Fernando Lopes-Graça, Clotilde Rosa, António Victorino d’Almeida, entre tantos outros.
Para além da dinâmica reformista empreendida por Ivo Cruz, a segunda metade do século XX será ainda marcada pela Experiência Pedagógica de 1971, a qual não se chegará então a concretizar numa nova lei orgânica para o Conservatório Nacional, em boa parte devido ao 25 de abril de 1974 e à realidade pós-revolucionária que então se viveu. No entanto, esta marca uma profunda mudança de paradigma, seguindo uma mesma linha do que já vinha sendo experimentado na Academia de Música de Santa Cecília desde 1968 e que encontra paralelo na realidade então vivida no Reino Unido – nomeadamente após o Gilmour Jenkins Report de 1965 –, onde se procura juntar, num mesmo espaço escolar, a formação académica e a formação musical especializada, dando assim origem ao que entre nós veio a ser designado por ensino artístico em regime integrado/articulado. Mas é somente com o Decreto-lei n.o 310/83, de 1 de julho,10 que surge, no plano jurídico-legal, a atual configuração ao nível do ensino da música, teatro e dança, em Portugal, extinguindo-se então o antigo Conservatório Nacional e criando-se em seu lugar cinco escolas: duas de música e duas de dança abrangendo os níveis básico, secundário e superior; e uma, superior, de teatro e cinema. No entanto, por razões diversas a que não será alheia a enorme distância existente entre as soluções legais preconizadas e a realidade efetiva que sempre existiu na formação artística nestas áreas – com especial ênfase para as áreas da música e da dança –, esta reforma foi desde cedo mal recebida por parte de alguns de seus protagonistas, levando a disfunções institucionais difíceis de superar e que poderão ter contribuído para alguma perda da identidade sentida por parte da respetiva comunidade escolar, bem como contribuído para algumas atitudes mais reativas contra a mesma.
Entretanto, entre as escolas criadas pela reconversão do antigo Conservatório Nacional, surge a atual Escola Artística de Música do Conservatório Nacional (EAMCN), a qual se man- teve, até ao final do ano letivo 2017/2018, no mesmo edifício – i.e., na Rua dos Caetanos, em Lisboa – onde o Decreto de 12 de janeiro de 183711 tinha mandado instalar o então recém cri- ado Conservatório Geral da Arte Dramática, e no qual tinha sido incorporado o Conservatório de Música, criado pelo Decreto de 5 de maio de 1835. Por outro lado, a partir do ano letivo de 2002/2003, numa política de descentralização, nomeadamente ao nível dos seus cursos de Iniciação, começaram a funcionar os Polos da EAMCN na Amadora e em Sacavém e, no ano letivo de 2013/14, no Seixal, com a colaboração das respetivas Câmaras Municipais, sendo que no ano de 2007 se iniciou o projeto da Orquestra Geração, projeto este que é coordenado, ao nível técnico e pedagógico, pela EAMCN, e que tem sido distinguido por várias entidades,12 destacando-se a atribuição pela Assembleia da República da Medalha de Ouro comemorativa do 50.o aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. E depois de nos últimos anos se ter atravessado um período de alguma instabilidade dada a degradação acelerada do edifício da Rua dos Caetanos – a qual prejudicou significativamente a sua atividade letiva –, a EAMCN foi provisoriamente instalada na Escola Secundária Marquês de Pombal, em Belém (Lisboa), onde aguarda a prometida requalificação das suas instalações históricas.